Como será e por que 1º voo comercial de foguete no Brasil pode colocar país na rota do mercado espacial
13/12/2025
(Foto: Reprodução) Como é o foguete que fará o primeiro voo comercial partindo do Brasil?
Quase 30 vezes mais rápido que um avião comercial, alto como um prédio de sete andares e com o peso de quatro elefantes africanos. Os números dão a dimensão do primeiro foguete que será lançado em voo comercial a partir da Base de Alcântara (MA) , previsto para acontecer entre os dias 17 a 22 de dezembro. Esse lançamento deve colocar à prova o potencial do cosmódromo brasileiro e, se bem sucedido, representar um avanço do Brasil rumo ao mercado global de lançamentos espaciais.
🚀 Essa vai ser a primeira vez que o Brasil vai capitanear uma missão comercial de colocação de satélites em órbita a partir do território nacional. O trabalho é coordenado pela Força Aérea Brasileira (FAB) e pela Agência Espacial Brasileira (AEB).
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O foguete sul-coreano HANBIT-Nano, da start-up Innospace, é a primeira tentativa de lançamento de um voo orbital em Alcântara desde o acidente do Veículo Lançador de Satélites (VLS), que matou 21 pessoas. Antes, o Brasil só fez lançamentos de foguetes suborbitais, em voos conhecidos como 'saltos', em que o equipamento sobe e regressa.
O novo foguete levará ao espaço, para a órbita da Terra, cinco satélites e três dispositivos que vão auxiliar em pesquisas em mais de cinco áreas desenvolvidas por entidades do Brasil e da Índia. (veja mais abaixo)
"Trata-se do primeiro lançamento comercial partindo do Brasil, marcando a entrada do país no mercado de lançamento espaciais e abrindo novos caminhos para a geração de renda e investimentos", afirmou o Coronel Aviador da FAB, Clovis Martins de Souza, Diretor do Centro de Lançamento de Alcântara.
Isso porque a base, inaugurada em 1983, tem um potencial de operação considerado subutilizado por profissionais do setor aeroespacial. Sua localização geográfica considerada privilegiada, a previsibilidade meteorológica e a segurança - longe de rotas aéreas ou marítimas - podem fazer com que Alcântara seja cobiçada por governos e empresas de tecnologia do mundo inteiro.
Por isso, o Brasil já vislumbra a possibilidade de ganhar, no futuro, dinheiro com o aluguel da base e cobrança de taxas de lançamento, por exemplo. Esses recursos poderão contribuir com o desenvolvimento do setor aeroespacial brasileiro e gerar novos negócios. (leia mais abaixo)
De acordo com Antonio Chamon, presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), o pontapé para esse futuro foi dado no início deste ano com a criação da Empresa de Projetos Aeroespaciais do Brasil (Alada), que será responsável por negociar os contratos comerciais aeroespaciais lançados a partir do Brasil.
"O que eu posso garantir é que quando nós começarmos a operar a partir da Alada, nós seremos competitivos, [operaremos] com preços internacionais. Essa empresa é que vai fazer a intermediação dos contratos", explicou.
Para Júlio Shidara, presidente da Associação Das Indústrias Aeroespaciais Do Brasil (AIAB) e coronel da reserva da FAB, apesar dos fatores naturais de Alcântara serem positivos como atrativos à exploração comercial do cosmódromo , eles sozinhos não suficientes para garantir vantagem competitiva em relação a outras bases do mundo.
Ele destacou a importância do país oferecer segurança jurídica e menores prazos e custos de logística do transporte de carga à base. (leia abaixo)
Como funciona o foguete❓
Foguete HANBIT-Nano será lançado no Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) no Maranhão
INNOSPACE
O foguete HANBIT-Nano será lançado na missão batizada de Spaceward. O objetivo é levar ao espaço cinco satélites e três dispositivos que vão auxiliar em pesquisas em mais de cinco áreas desenvolvidas por entidades do Brasil e da Índia.
🚀 Produzido pela empresa sul-coreana Innospace, o HANBIT-Nano tem 21,9 metros de altura, pesa 20 toneladas e tem 1,4 metro de diâmetro.
Durante o seu lançamento, o foguete pode atingir uma velocidade de 30 mil km/h. A velocidade é necessária para que ele alcance a órbita e possa 'escapar' da gravidade terrestre. A viagem até atingir a atmosfera e entrar em órbita deve durar cerca de 3 minutos.
A compensação monetária paga pelo Innospace ao governo brasileiro para o lançamento no próximo dia 17 não foi informado. Segundo a AEB, a Innospace firmou um acordo de prestação de serviços pelo valor mínimo de retribuição ao Estado com o Governo Brasileiro. Essa modalidade não prevê 'lucro'.
Arte: Como é o foguete HANBIT-Nano
Arte/g1
🌌🔭 O lançamento do foguete HANBIT-Nano ocorrerá em dois estágios e poderá ser visto a olho nu dos céus de Alcântara (MA) e em parte de São Luís (MA).
O primeiro estágio do HANBIT-Nano, conhecido popularmente como a base, é responsável pelo impulso inicial durante o lançamento do foguete. A estrutura conta com dois motores, sendo um híbrido e um módulo interestágio, que é responsável por separar os dois estágios do dispositivo.
O motor HyPER híbrido é abastecido com combustível líquido e sólido. Essa tecnologia permite ajustes da potência do foguete em tempo real e reduz riscos de explosão, sendo considerado mais simples e econômico.
O segundo estágio do foguete é onde estão os satélites, chamados de cargas, que serão enviados ao espaço. Essa parte é responsável por inserir os dispositivos na órbita e uma coifa, localizada na ponta do HANBIT-Nano, que protege os satélites de danos no lançamento.
Ao todo, estão sendo mobilizados 500 profissionais entre civis e militares para a operação. A primeira tentativa de lançamento estava marcada para o dia 22 de novembro, mas operação foi remarcada para acontecer entre os dias 17 a 22 de dezembro.
Foguete HANBIT-Nano posicionado na plataforma de lançamento
Divulgação/INNOSPACE
Como é a base de Alcântara?
Vista área do Aeroporto de Alcântara, localizado na área do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA)
Divulgação/Agência Espacial Brasileira
Construída na década de 1980 o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no litoral do Maranhão foi escolhido para sediar um centro espacial que atendesse aos requisitos técnicos e logísticos do Programa Espacial Brasileiro. Um dos motivos é a extensa costa do litoral, a capacidade de abrigar lançamentos próximos a linha do Equador e de angular de órbitas.
📌A localização próxima à linha equatorial faz com que lançamentos a partir do local gastem menos combustível e tenham, consequentemente, o custo da operação reduzida. Além disso, há uma baixa densidade de tráfego aéreo na região e um amplo leque de inclinações orbitais para os lançamentos.
💨Quanto menor a latitude - sendo zero na Linha do Equador - , melhor é considerado o local para a realização de lançamento de foguetes. A velocidade de rotação de superfície, necessária para colocar o foguete em órbita, é maior quanto mais próximo do meridiano que divide os hemisférios Norte e Sul. Isso exige menor consumo de combustível da aeronave e menor tempo de viagem à órbita.
Apesar destas qualidades, o local se tornou por décadas subutilizado. Entre os motivos para a subutilização estão o grave acidente há mais de 20 anos no local e questões fundiárias.
A tragédia interferiu para a consolidação do Brasil no mercado espacial, com redução da atividade em Alcântara a partir de 2003.
➡️ O acidente aconteceu a três dias do lançamento do foguete VLS-1, protótipo que colocaria em órbita dois satélites nacionais de observação terrestre. A estrutura estava montada e o dispositivo passava por ajustes finais, quando um dos motores teve uma ignição prematura e o protótipo foi acionado antes do tempo. A torre acabou explodindo e 21 civis que trabalhavam no local morreram.
Já questão fundiária levou Alcântara até à cortes internacionais. Os conflitos pela terra com as comunidades quilombolas que viviam na região antes da instalação da base viraram processos judiciais que se arrastaram por décadas. (leia mais abaixo)
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Para o presidente da Associação Das Indústrias Aeroespaciais Do Brasil (AIAB), superados esses problemas, a mudança de cenário e a possibilidade do Brasil entrar na rota dos lançamentos comerciais espaciais depende ainda de fatores que vão além das vantagens geográficas e naturais de Alcântara.
Por outro lado, Julio Shidara admite que há uma expectativa que o lançamento gere inovações e novas oportunidades de negócio para a indústria aeroespacial nacional e para o Programa Espacial Brasileiro, beneficiando assim todo o ecossistema.
"A competitividade global dependerá de um conjunto maior de fatores que envolvem aspectos logísticos, jurídicos e econômicos,. No cenário global, [Alcântara] será tanto maior quanto maiores forem suas capacidades em oferecer segurança jurídica, menores prazos e menores custos no confronto com outros centros de operação que existem no mundo", explicou.
O presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), diz também que a entrada de pequenas empresas no mercado de foguetes criou a necessidade de buscar habilitar lugares com boas condições de lançamento de novas missões.
"O que mudou no grande contexto foi a entrada muito forte no mercado de foguetes pequenos de empresas privadas, isso no mundo todo. Então, a grande mudança que permite o uso comercial do centro de Alcântara é que agora existem clientes. Por isso, o lugar entra nesse nicho de oferecer um bom lugar e infraestrutura adequada", disse Antonio Chamon.
Entenda
A abertura da base ao mercado de lançamento de foguetes comerciais em Alcântara começou a se tornar possível devido a um Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) assinado pelos governos brasileiro e dos EUA, em 2019.
Pelo acordo, dispositivos desenvolvidos com tecnologia norte-americana e por empresas privadas autorizadas por ele, poderiam ser lançados de Alcântara, e o Brasil ficaria habilitado a receber uma compensação monetária.
Isso porque são os EUA que produzem grande parte dos componentes presentes em foguetes lançados no mundo. Porém, os norte-americanos não autorizam esses dispositivos serem lançados por países nos quais eles não possuem acordos na área espacial. Com a assinatura, em 2019, o processo foi simplificado.
"Antigamente não era proibido, mas para cada lançamento que você fizesse, precisava de uma autorização especial. Agora, é muito mais fácil", explicou Marco Antonio Chamon, presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB).
Após a assinatura do documento, a Agência Espacial Brasileira (AEB) lançou um edital para empresas privadas na utilização do Centro de Lançamento de Alcântara. Quatro empresas foram habilitadas, dentre elas, a sul-coreana Innospace, dona do HANBIT-Nano.
Ao g1, o presidente da Agência Espacial Brasileira explicou que esse acordo foi importante para abrir os caminhos necessários para o uso de Alcântara com fins comerciais. Além disso, foi necessário atualizar licenças ambientais e equipamentos de controle da Força Aérea Brasileira (FAB) para manter o centro preparado para receber essas missões.
"Foi também necessário atualizar as licenças ambientais do CLA e os equipamentos de rastreio e de controle. Esses investimentos iniciais foram importantes. O centro está preparado para receber essas missões", disse.
Infográfico: Entenda as vantagens da base de Alcântara
Arte/g1
Passado: impasse com quilombolas
Alcântara tem a maior proporção quilombola do Brasil, de acordo com dados do Censo do IBGE de 2022 e, por mais de 40 anos, essa população viveu um impasse com a Força Aérea Brasileira (FAB) sobre a implementação do Centro de Lançamento.
Isso porque para criar a base no Maranhão, algumas comunidades precisaram sair do território onde viviam, o que provocou conflitos e acusações de violação de direitos.
O caso chegou a ser julgado na Corte Interamericana de Direitos Humano (CIDH), no Chile, onde o Brasil foi acusado de violar direitos humanos contra comunidades quilombolas na construção e implementação dos projetos da Base de Lançamento de Foguetes.
Dois anos após o julgamento, o Brasil foi condenado por violar direitos humanos de 171 comunidades quilombolas que vivem em Alcântara. Segundo a corte, a falta de resposta sobre as reinvindicações dos quilombolas gerou sentimentos de injustiça, impotência e insegurança, afetando a vida coletiva e impedindo acessos à saúde, educação e a meios de subsistência.
Em 2024, o Governo Federal assinou um Termo de Conciliação, Compromissos e Reconhecimentos Recíprocos que reconheceu o Território Quilombola de Alcântara com 78,1 mil hectares e delimitou a área do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), com 12.600 hectares.
O governo se comprometeu a dar o título de propriedade da área aos quilombolas e, ao mesmo tempo, validou a área pertencente ao Programa Espacial Brasileiro (PEA), para evitar conflitos sobre a posse das terras no futuro.
Nova fase
A Operação Spaceward, que vai lançar o HANBIT-Nano, marca o início de uma nova era do Programa Espacial Brasileiro. O foguete pode inserir o Brasil no mercado global espacial, contribuir na melhora da tecnologia dos dispositivos espaciais e atrair novos investimentos estrangeiros, alavancando o Programa Espacial Brasileiro.
"O lançamento é importante porque vai abrir várias portas para o Brasil no mercado internacional. Teremos a inserção do país globalmente, vamos contribuir para desenvolver a região gerando renda, emprego e, principalmente, teremos ainda mais investimentos no segmento espacial brasileiro", explica o diretor do CLA.
O que vai ser levado ao espaço?
Dois dos satélites que estarão a bordo do foguete HANBIT-Nano
Divulgação/FAB
🔎 O HANBIT-Nano levará ao espaço oito cargas úteis, entre elas cinco satélites e três experimentos. Os satélites farão a análise, coleta e transmissão de dados ambientais, testes de comunicação em órbita e monitoramento de dados solares.
Veja, abaixo, mais detalhes dos dispositivos que serão levados ao espaço:
Satélite Jussara-K: Desenvolvido pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) em parceria com startups e instituições nacionais, ele tem como missão coletar dados ambientais em regiões de difícil acesso;
Satélites FloripaSat-2A e FloripaSat-2B: Desenvolvidos pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) serão usados para validar uma espécie de comunicação em órbita;
PION-BR2 - Cientistas de Alcântara: Desenvolvido pela UFMA, em parceria com a Agência Espacial Brasileira (AEB), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a startup PION e levará ao espaço mensagens de alunos da rede pública de Alcântara;
Satélite SNI-GNSS: Vai determinar com precisão a velocidade, posição e altitude do foguete e essa tecnologia poderá ser aplicada em outros dispositivos como drones, carros e navios. Ele foi desenvolvido pela Agência Espacial Brasileira (AEB) em parceria com as empresas Concert Space, Cron e HORUSEYE TECH;
Solaras-S2: Será responsável por monitorar fenômenos solares que podem impactar comunicações, navegação e sistemas tecnológicos na Terra. Foi desenvolvido pela empresa indiana Grahaa Space;
Sistema de Navegação Inercial (INS): Dispositivo vai validar um algoritmo de navegação que irá auxiliar na futura aplicação em sistemas de navegação embarcados em missões espaciais. Foi desenvolvido pela empresa Castro Leite Consultoria (CLC).
Terá ainda, a bordo do foguete, um outro dispositivo desenvolvido pela empresa Castro Leite Consultoria (CLC), entretanto, por solicitação do fabricante, a Força Aérea Brasileira (FAB) teve acesso a apenas dados de um.